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   Uma jovem brinca de equilibrista sobre um banquinho torto. Tenta fixar uma placa em um poste. Curiosos desviam o olhar para decifrar os três símbolos rabiscados à mão: 30C.

 

   Dez passos dali, na entrada da tenda, outra placa com uma sequência de letras, que mais lembravam as pecinhas misturadas dos antigos tabuleiros de palavras cruzadas. Mais consoantes do que vogais. Mas tenda pra que?
 

   Ali dentro, um cara com pinta de turista (a câmera no pescoço denunciava) clicava, sem constrangimento, duas mulheres, também com pinta de turistas. E de sacoleiras. A dupla se mantinha no eixo (melhor que a jovem do banquinho) graças às sacolas que carregavam, uma em cada mão.

 

   Era sábado. Um sábado de outono boreal. O sábado da véspera da prova.

 

   A jovem recebeu a missão de alertar os corredores sobre a temperatura durante a prova. A meia maratona de Budapeste.

 

   Na tenda, acontecia a distribuição dos kits. Bancadas improvisadas com sacolas plásticas gigantes e conteúdo minguado, como um filho que começa a andar e experimenta colocar o pezinho dentro do tênis do pai.

 

   E quanto ao trio, estrangeiros que cruzaram o Atlântico para experimentar correndo a terra de Liszt e Marai, se dividindo entre Buda e Peste. Duas corredoras, cada uma com seu kit em uma mão e na outra (pra equilibrar, lembra?), a compra emergencial: regata esportiva para suportar o calor anunciado pela jovem.

 

   Ele e sua câmera congelavam todos os passos, apesar do verão outonal. Os passos da véspera. Mas os passos do dia também. Em mais de um ponto, depois de outros tantos passos.

 

   Estavam registrados, os passos. Para lembrar que cada passo valeu. Valeram os passos da preparação, os passos da véspera, os passos da torcida (presente e ausente), os passos do companheirismo, os passos fracos e miúdos que cruzaram a linha de chegada, se achando firmes e gigantes.

 

Daniela Hirsch

PASSOS  HÚNGAROS

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